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Nada mais acertado que capítulo final da Kiss seja escrito na UFSM

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Nada mais emblemático do que a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) ser o local para o julgamento de três dos quatro réus do incêndio da boate Kiss, que ceifou a vida de 242 jovens e deixou mais de 600 pessoas feridas, na madrugada de 27 de janeiro de 2013.  

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Todos, sendo daqui ou não, sentem e seguirão sentindo os efeitos da fumaça tóxica que tragou a vida de jovens que querem uma única coisa em um sábado à noite: diversão. Mas, além dos pais, a universidade foi extremamente impactada. 

A universidade viveu o horror de uma tragédia que levou prematuramente uma vida de projetos e de sonhos de mais de uma centena de jovens que estudavam nela. Foram, mais precisamente, 113 acadêmicos dos diversos centros de ensino. 

Sendo que mais da metade era do Centro de Ciências Rurais (CCR). Se vivos estivessem hoje, estariam contribuindo de forma inegável para a sociedade. Mão de obra qualificada com conhecimento e, o principal, com vontade de fazer as coisas acontecerem. Uma perda irreparável às famílias e inimaginável de se mensurar. Aliás, se há quem possa saber e sentir a dor do que é enterrar um filho são os pais desses jovens.

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Muitos desses pais, nesses quase sete anos, se mantêm resilientes e em busca de justiça. Tantos outros, que confiaram a Santa Maria seus filhos e os trouxeram para cá para buscar o sonho de uma graduação, sequer querem ouvir falar no nome da cidade. Afiançaram a Santa Maria o destino de seus filhos e os buscaram em caixões.

Que agora, então, Santa Maria dê um ponto final a esse capítulo. Sem jamais esquecer o que aconteceu, mas tendo condições de conviver com o que aconteceu. Até porque isso sempre será parte da nossa história.

O respeito que sempre sobrou de um lado, faltou de outros...

Professores e alunos viveram, naquelas semanas subsequentes ao incêndio da casa noturna, o episódio mais triste da história da universidade ao longo de quase 60 anos de fundação. Frente a turmas dizimadas e classes vazias, foi preciso seguir em frente. A comunidade acadêmica recomeçou em meio a um cenário de muita incredulidade e em que se buscava, à época, por respostas. 

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Nada mais acertado do que o Centro de Convenções da UFSM ser o foro para os desdobramentos jurídicos que tendem a se arrastar por dias. Ainda que se fale que a escolha do local observa à capacidade de receber jurados, defesa, acusação e a imprensa do mundo todo, a verdade é que se há um setor de Santa Maria que nunca se voltou contra a pauta da Kiss foi a universidade.

Talvez por ser um ambiente muito plural, onde o conhecimento e o pensar crítico andam juntos, a comunidade acadêmica da UFSM jamais, nesses quase sete anos, minimizou ou desdenhou a morte de mais de duas centenas de jovens. Esse entendimento - de respeito e de olhar de forma humanizada - à tamanha hecatombe se dá porque a UFSM (enquanto instituição) é o que Santa Maria tem de melhor. Ou seja, um local onde todos, de várias partes do Estado e do país, têm a oportunidade real e de forma democrática de buscar algo que muda a realidade de uma pessoa: o conhecimento. 

FICÇÃO E REALIDADE
Conhecimento, aliás, que liberta e que tira da obscuridade aqueles que, sem exagero, vivem na caverna de Platão. O filósofo que contou na obra, há mais de 2 mil anos, o impressionante (e ainda atual) relato de homens que viviam na ignorância no fundo de uma caverna. 

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Todos tinham os pés e o pescoço acorrentados, o que os impossibilitava de olhar para o lado ou para trás. Restava apenas olhar para a parede que ficava em frente a eles. Sendo que essa parede era iluminada por uma fogueira, que ficava atrás do grupo. Acontece que, do lado de fora da caverna, passavam homens e sombras eram projetadas na parede e essa era a única realidade conhecida por eles. Quando um deles consegue fugir, percebe a existência de uma realidade totalmente diferente do que era projetada na parede da caverna. Ao voltar, ele conta aos demais o que viu, mas acham que ele está louco.

Nada muito diferente do que o escritor José Saramago relata em O Ensaio sobre a Cegueira, onde o chamado "mal branco" acomete os personagens. Na obra, uma epidemia passa a cegar estranhamente a população. 

Na tentativa de conter o avanço da epidemia, os cegos vão para um manicômio, uma espécie de campo de concentração. Outra consequência dessa cegueira é que os personagens, ao perderem o sentido da visão, vão se animalizando. Assim, os traços que definem nossa humanidade somem, muito semelhante à realidade dos dias de hoje. 


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